No bar do hotel, um
antigo hóspede contava a sua história para o atencioso forasteiro:
–
Foi na tarde em que rompi com Jane por motivos que nem me lembro mais, que
peguei a minha moto e segui a esmo pela autoestrada por mais de quatro horas.
Em
meio à escuridão, o vento fresco que soprava meus cabelos trazia com ele o
cheio das colitas, uma espécie de planta indiana, que se alastrava pelos campos
exalando um odor tão cálido que poderia até ser capaz de aquecer meu coração
petrificado.
As
horas avançavam e a minha cabeça ficou pesada, a visão turva e os sentidos
entorpecidos por causa da noite.
Eu
precisava parar para descansar, mas não havia nada além do breu noturno e do
asfalto infinito, que corria iluminado sob as duas rodas da potente
Harley-Davidson.
Praguejei
quando o tanque esvaziou e do acostamento eu acenava freneticamente para os
carros que passavam vez ou outra pela escura rodovia.
Muito
tempo havia passado. Não sei precisar quanto, mas acredito que há mais de duas
horas eu tentava em vão ser socorrido por algum motorista bondoso.
Cansado
e dominado pela involuntária letargia noturna, eu me sentei à beira da estrada
sob o olhar debochado do farol apagado da minha moto inativa.
Enquanto
eu era estorvado por um silêncio tão intenso quanto os sonhos de um defunto,
minha visão fora abordada por gêmeas luzes amarelas que gradualmente se
aproximavam, acompanhadas pelo ronco do motor do caminhão, arrebentando a
quietude.
Sem
que eu esperasse, o veículo parou diante de mim e um senhor assustadoramente
feio deixou-se revelar pela janela lá no alto.
Coloquei-me
em pé e fui me aproximando. A luz da lua destacava sua pele deformada e um
arrepio desceu pela nuca quando num sorriso horripilante ele mostrou os dentes
empoleirados que lembravam as lápides de um cemitério descuidado.
Tentando
ignorar o calafrio que me percorria pela espinha, expliquei que a gasolina
havia acabado e ele disse que por sorte tinha um galão do combustível guardado
na boleia. Costumava transportá-lo para ajudar os motoristas distraídos que
ficavam estacados na estrada assim como eu estava.
A
aparência nefasta do homem fora amenizada pela sua gentileza. Como se lesse
meus pensamentos ou enxergasse o meu cansaço, comentou que logo à frente havia
um hotel onde eu poderia descansar. Apesar de não ter energia elétrica, era bem
aconchegante e convidativo. Antes mesmo que eu pudesse abastecer a
Harley-Davidson, o gentil e pavoroso caminhoneiro seguiu o seu caminho
desaparecendo estrada afora.
Não sei dizer se fiquei
mais aliviado quando o homem partiu ou quando a moto pegou, mas o fato é que
assim como ele indicara, o hotel estava lá.
Engraçado
eu não tê-lo percebido antes. Tenho absoluta certeza de que, do ponto onde eu
estava, poderia ter visto o hotel devido às luzes tremeluzentes que brincavam
nas janelas.
O
torpor sonolento deu lugar a um êxtase hipnótico quando na entrada eu a vi.
Com
as curvas de um Mercedes 1969 e um belo par de olhos castanhos, Tiffany me
recepcionou dizendo: “ Bem vindo ao Hotel Califórnia” e eu perguntei a
mim mesmo se aquilo era o paraíso, ou o inferno.
Então
ela acendeu uma vela e me mostrou o caminho até o quarto.
Espelhos
no teto, champanhe rosa no gelo, um lugar tão encantador quanto o rosto de
Tiffany me deu as boas-vindas.
Mesmo
exausto, não pude resistir aos encantos daquela mulher e a tomei como teria
tomado Jane antes de partir para sempre naquela tarde.
Eu
me sentia ótimo, como se tivesse dormido por horas e recuperado as energias,
porém meus olhos não haviam se fechado nem por um minuto sequer. Sem que eu
pudesse explicar, de uma hora para outra, Tiffany não estava mais comigo.
Ao
sair do aposento eu pensei ouvir vozes adiante no corredor: “Bem-vindo ao Hotel
California” e o som de uma música alegre guiou-me até um salão onde garçons
desfilavam com suas bandejas e hóspedes dançavam despreocupados.
Rapazes
se enroscavam sensualmente em Tiffany, que demonstrava a mais plena satisfação
voluptuosa. De repente a dança fora substituída por uma orgia descontrolada e
todos foram capturados por um frenesi inusitado.
Observando
as cenas explícitas que me enchiam os olhos, demorei a perceber a presença do
horripilante caminhoneiro que mais cedo me socorrera.
Parado
do outro lado do recinto a me fitar, ele sorria sinistramente com seus dentes
encavalados e então tudo começou a ficar claro.
De
alguma forma, meus olhos foram abertos para enxergar o que realmente acontecia,
e quando caiu a máscara da ilusão, vi que não somente Tiffany, mas todos os
presentes eram hórridos mortos-vivos que se esfregavam uns aos outros desmanchando-se em carne putrefata.
Tentei
fugir, achar uma saída, livrar-me do pesadelo, mas nada do que fiz adiantou. O
homem de dentes medonhos jamais deixou alguém sair. Há tempos temos tentado
detê-lo, mas chegamos à conclusão de que esta é uma façanha impossível.
Somos
todos prisioneiros do nosso próprio ardil.
Hoje
minha carne morta também se desfaz. Sinto as larvas passearem pelo meu interior.
O problema é que quando atingimos certo grau de decomposição, ela estaca e
assim jamais seremos totalmente consumidos.
“Bem,
eu não sei qual é a sua história ou como veio parar aqui, mas não é um lugar
ruim. Você pode se divertir a valer neste hotel e com o tempo acaba se
acostumando. Agora abra bem os olhos e veja a realidade. Aproveite a sua
estada, pois ela será eterna. Bem-vindo ao Hotel Califórnia, caro amigo!”
Ao
terminar a narrativa, o antigo hóspede presenciou mais uma vez a mesma cena se
repetir. Isto sempre acontece quando os recém-chegados começam a enxergar a
verdade. Eles correm desesperados, tentam achar uma saída, gritam, choram, mas
acabam aceitando. Não têm alternativa.
(ESTE CONTO É APENAS UMA ADAPTAÇÃO DESPRETENSIOSA DA LETRA DA MÚSICA)