FAZENDO AS VEZES DE PREFÁCIO
Rubens Francisco Lucchetti*
Conheci Susy
Ramone (pseudônimo de Susana Regina dos Santos de Lima) em outubro de 2014,
quando criei minha página no Facebook. Ela foi uma de minhas primeiras
amigas virtuais.
No final de junho
de 2015, recebi uma mensagem dela. A mensagem dizia o seguinte: “Boa-noite, sr. Rubens. Como vai? Estou terminando um
livro. É uma história de fantasmas. Tem como pano de fundo o incêndio do
Edifício Joelma. O protagonista é um homem do interior; e o vilão, um falso
pastor evangélico que apronta barbaridades para arrancar dinheiro dos fiéis.
Bem, ainda estou revisando; mas gostaria de saber se o senhor aceitaria
prefaciá-lo, se gostar da história.”
Aceitei, de
imediato, o convite. E, poucos dias depois, recebi em minha casa um pacote com
o original de O Edifício, o romance escrito pela Susy.
Eu não canso
de repetir: “Eu não sou um escritor. Sou um
ficcionista.” Portanto, não sou um prefaciador. O
Edifício é o segundo livro que prefacio (o primeiro foi A Dama-Morcega,
da Giulia Moon). E tenho medo de que, como disse o quadrinhista norte-americano
Harvey Kurtzman, ao prefaciar o livro Al Jaffee Funde a Cuca, “este
prefácio precise de um prefácio”. Entretanto, não posso desapontar a Susy.
Sobretudo porque, na carta que acompanhava o original ela, entre outras coisas,
falava empolgada: “Fico muito honrada por ter a oportunidade de mostrar, em
primeira mão, ao senhor o meu trabalho novo e aguardo ansiosamente pelas suas
impressões. (...) Nada que eu diga conseguiria expressar a imensa
alegria que sinto por ter aceitado o meu convite.”
Susy
Ramone começou a escrever por volta de 2004-2005. Durante anos, teve um blog,
onde postava diariamente contos de Horror/Terror. E, além de O Edifício,
já escreveu outros três romances de Horror/Terror (segundo ela, escreve
histórias desse gênero porque é o gênero de histórias que gosta de ler): Samyaza,
O Castelo Montessales (epa! Que título!) e Poison Heart.
O
Edifício levou quase três anos para ser concluído.
A
história é narrada por Alice, uma mulher que se se apresenta logo nas primeiras
páginas do livro e afirma que não é escritora e não conhece “as regras dos
homens e mulheres das letras”. A ação se passa entre meados de 1973 e os
primeiros dias de 1974, em plena ditadura militar, quando atrocidades eram
cometidas em nome da segurança do país. Dois são os palcos dessa ação: a
pequena cidade de Tatuí e São Paulo (capital). E dois também são os personagens
principais: Waldemar, um sitiante de Tatuí; e Rogério Veiga, um homem cuja
melhor habilidade é mentir e que tem como lema “os fins justificam os meios”,
a máxima de Maquiavel.
O
Edifício narra o drama de Waldemar, um homem simples que, após perder o
filho e depois a esposa, decide reconstruir sua vida em São Paulo e vai morar
num dos mais importantes e emblemáticos edifícios da cidade, o Copan, projetado
por Oscar Niemeyer. E em São Paulo, ele começa a ver fantasmas.
Os
fantasmas de O Edifício logo me fizeram lembrar de M. R. James, escritor
inglês nascido em 1862 e falecido em 1936 e que se especializou em histórias de
fantasmas (algumas dessas histórias eu li nos meados da década de 1940 na
revista Contos Magazine).
Como bem
afirmou H. P. Lovecraft em seu célebre ensaio O Horror
Sobrenatural na Literatura, M. R. James criou “um novo tipo de fantasma;
(...) enquanto os velhos fantasmas típicos eram pálidos e percebidos
principalmente pelo sentido da visão, o fantasma de James é geralmente
franzino, pequeno e cabeludo – uma
abominação noturna, lerda e diabólica, meio bicho e meio homem – e geralmente
apalpado em vez de visto”. E é neste ponto que os fantasmas de O Edifício têm algo em comum com aqueles
criados por M. R. James: eles quase podem ser apalpados, quase podemos senti-los pelo sentido do tato, tal é a
força com que Susy os descreveu. No entanto, são fantasmas que andam e podem
ser vistos em plena luz do dia, não precisam da noite para aparecer e
aterrorizar as pessoas.
Devo confessar que O Edifício me surpreendeu. Tendo como pano de fundo uma história
real e trágica (recordo-me perfeitamente daquela manhã lº de fevereiro de 1974,
quando o Edifício Joelma incendiou-se; também me recordo dos assassinatos ali
ocorridos em novembro de 1948), é um romance fantástico – com toques
espirituais – muito bem construído.
Bem, boa leitura... E proteja-se, porque
os fantasmas estão à solta!
Jardinópolis,
16 de novembro de 2015.
*Rubens Francisco Lucchetti, mais
conhecido como R. F. Lucchetti, é ficcionista e roteirista de Cinema e
Quadrinhos.
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