Com o corpo dolorido por conta das
amarras e uma ligeira dificuldade para respirar devido à mordaça, lágrimas
vertiam, embaçando a visão de Diana. A escuridão e miséria daquele lugar envenenava
a sua alma como envenenados estavam os ratos duros e mal cheirosos espalhados
pelo chão do galpão. Enquanto o suor escorria pela testa, ela desejava que a
vida também se esvaísse, embora fosse inaceitável deixar o mundo de forma tão
cruel. Perdera a noção do tempo, além de toda a sua dignidade em consequência
dos percalços da vida.
Mantendo as esperanças tão esmigalhadas
quanto os ossos de sua mão esquerda, quebrados com uma marreta no dia anterior
pelo garoto de olhos malignos encostado ao batente da porta a observá-la, Diana
era acometida, mais uma vez, pelo pânico devastador da tortura iminente.
Começou a grunhir e a debater-se em desespero, utilizando o resto de suas
forças já há muito exauridas, numa tentativa de chamar a atenção. Gostaria de
ter a chance de falar, de se desculpar, de fazer o que fosse preciso para
voltar para casa, ou quem sabe de implorar que ele a matasse de uma vez.
Ao
escutar os passos de Verônica, Henrique torceu a cintura e olhou para trás,
voltando à posição anterior de imediato sem cumprimentar a cúmplice. De braços
cruzados, ele observava a refém com olhos impiedosos e sem sentir remorso
algum.
Verônica conhecia a frieza do amigo e
por não compartilhar dela, sofria. Momentos antes, enquanto vestia as calças
jeans bem justas e botas boas para qualquer terreno, o coração pulsava de
ansiedade e o corpo esbelto tremia de nervosismo. Ela era capaz de colocar-se
no lugar da outra e embora soubesse estar metida na maior encrenca de sua vida,
precisava manter o combinado, ou então, os seus demônios internos seriam fadas
cor-de-rosa perto do que aconteceria a ela pelas mãos de Henrique. Ele era
perigoso, sádico, psicopata, entretanto, ela não tinha mais ninguém e ficar ao
lado dele parecia sua única opção.
Olhou-se num pedaço de espelho no
banheiro e passou o batom sem pressa, último retoque da maquiagem carregada,
típica dos jovens que gostam de rock. Puxou algumas mechas do cabelo vermelho
para trás, atando-as com uma presilha de caveira roubada em uma feira livre.
Fechou o zíper da jaqueta de couro apertada que um dia pertencera a uma jovem
distraída e verificou as horas. Preocupada com o atraso de Henrique, olhou pela
janela e o viu chegando, atravessando o quintal e indo direto para o galpão.
Mil vezes ela pensou em libertar a moça e fugir para longe, mas o medo das
consequências a impediu. Tudo o que ela fez durante a ausência dele foi evitar
descer as escadas da casa abandonada onde morava há duas semanas. Pegou a bolsa
e foi encontrá-lo.
– Podemos dar um pouco d’água a ela? – a
voz empastada de Verônica o enjoou.
A
resposta veio através de um olhar de esguelha, clara negativa à pergunta. O
cheiro pútrido dos bichos mortos misturado aos excrementos da refém invadiu
suas narinas, fazendo subir um gosto azedo pela garganta, obrigando-a a
controlar-se para não botar para fora a refeição daquele dia.
Ambos ficaram ali parados em silêncio,
limitando-se a assistirem a dança convulsa do resquício do ser humano atado à
cadeira. Quando um cúmplice olhar foi trocado, eles fecharam a porta do galpão,
deixando Diana tão sozinha quanto estão os mortos em um cemitério à noite.
Escutando os caminhões a enviarem seu
ruído, Diana imaginou estar perto de alguma rodovia. Se pelo menos pudesse se
soltar... Talvez se a mão não estivesse tão arrebentada causando fortes dores,
conseguisse movê-la um pouco. Mas só de mexer os braços presos às costas, seu
corpo todo era abordado pela mais intensa agonia já experimentada. Então ela
aquietou-se. Era inocente. Não havia pegado a joia à qual a acusavam, mas eles
deviam ter percebido. Ninguém estaria disposto a levar marretadas caso houvesse
qualquer outra opção. Chegou a inventar uma história, a confessar o roubo na
hora do desespero. Não foi uma ideia muito inteligente, pois após verificarem e
descobrirem a sua mentira, ela teve o seu castigo por meio de mais golpes.
À mercê das torturas cruéis do casal
durante três intermináveis dias, ela agora inalava o cheiro da morte, imaginava
quanto tempo levaria para que ficasse dura feito aqueles ratos.
Assistiu a tarde se despedindo pela
janela de vidros quebrados e sujos à frente, onde a paisagem mais reconfortante
consistia numa árvore morta erguendo suas garras para o crepúsculo arroxeado.
***
Uma garrafa de cerveja atrás da outra
era aberta pelo barman a cinco quarteirões dali. O local apinhado de jovens e
adultos ansiosos pelo início do show da banda inglesa, com seu palco já montado
e equipamentos devidamente testados, recebia o início da noite com o entusiasmo
estampado em cada rosto.
Era
dia treze de julho, data importante, e embora a banda estivesse feliz por
celebrar o dia mundial do rock no Brasil, onde eram sempre bem recebidos e
muito idolatrados, havia uma ponta de inquietação em cada integrante, mas
ninguém além deles próprios saberia o por quê. Há muitos anos eles não se
apresentavam neste dia. Faziam questão de resguardar a data por conta de um
pacto selado nas entranhas de um celeiro no interior da Inglaterra, quando lá
se reuniam para tocar sem plateia alguma, numa época em que não passavam de garotos
anônimos, sem perspectivas de sucesso em razão de sua falta de talento. E isso
faz mais de trinta anos, quando as lendas da região eram contadas pelos mais
velhos em torno de fogueiras, aquecendo as tardes de inverno dos moradores
locais e alimentando a imaginação dos mais jovens.
Eles diziam residir sobre o solo onde
outrora um caçador de demônios aprisionou uma criatura que costumava matar os
animais das fazendas; uma espécie de humanoide com o corpo esquálido e
enegrecido, olhos vermelhos, dentes e garras afiados o bastante para rasgar o
gado ao meio com apenas um golpe e se alimentar de dezenas deles numa noite,
aproveitando toda a carne, de modo que os ossos e peles limpos ficavam
espalhados pelo tapete verde de grama feito presentes prontos para o embrulho.
A primeira prisão à qual a criatura foi
lacrada consistia numa espécie de jaula. Através de armadilhas dispostas nas
redondezas, o tal caçador conseguiu capturá-la e por este motivo, as pessoas
puderam vê-la. Assustadas demais com a sua aparência horrenda, acharam melhor
matá-la de uma vez e a jaula foi então atirada ao rio. Embora todos pensassem
que o monstro havia se afogado, ele acabou retornando dias depois e com muita
ira, deixou os animais de lado e passou a aplacar a fome com a carne dos
moradores.
Diante do caos instalado, deixaram suas
crenças religiosas de lado e aceitaram a sugestão do caçador. Desta forma, uma
velha bruxa do leste foi trazida para auxiliar na segunda captura. Ela
assegurou que a criatura não poderia morrer e a única maneira de detê-la, seria
aprisioná-la por meio de encantamentos. O que ninguém esperava, era que o
monstro fosse tão poderoso a ponto de fundir seu corpo com o do caçador quando
este se encontrava vulnerável. Ninguém sabe ao certo os motivos que o levaram a
fazê-lo, mas de acordo com as explicações da bruxa, a criatura havia falhado na
tentativa de se esconder no corpo físico do outro. Enquanto alguns
testemunhavam a metamorfose daquele que deveria ser o salvador do povo, outros
não pensaram duas vezes antes de atacá-lo com tiros e lanças, deixando o então
metade homem, metade demônio imobilizado e aparentemente morto.
Um ritual foi feito antes que o
enterrassem a muitos metros abaixo do solo, lacrando além do corpo disforme, os
dois espíritos que nele habitavam. Infelizmente a alma do caçador não teria
chances de escapar e ambos estariam fadados a compartilhar a eternidade nas
profundezas daquela terra fria e úmida.
Muitos
séculos depois, emergiu das entranhas da terra o demônio-caçador, desperto pela
música dos jovens que tocavam no celeiro erguido bem acima de sua tumba.
A figura foi se aproximando aos poucos.
A princípio era apenas uma voz prometendo a eles fama e sucesso. Depois da
amizade consolidada, o demônio se mostrou e passou a ajudá-los com a realização
de seus sonhos. Em troca, pedia animais grandes e suculentos para saciar a
fome. Concordando e cumprindo com o acordo todos os dias, como num passe de
mágica, o talento brotou entre os garotos. Encantados com a promessa de serem
reconhecidos mundialmente, os jovens o adotaram como mascote da banda,
estampando sua imagem nas capas dos discos. Não tardou para degustarem o
estrelato esperado. Porém, o encantamento da bruxa impedia a criatura de deixar
as redondezas. Exceto num único dia do ano; no dia em que fora aprisionada por
ela tempos atrás; treze de julho, data importante para os moradores daquele
povoado inglês.
Eddie,
o nome dado ao bom-demônio com poderes de fada madrinha, estava com eles desta
vez. Escondido no meio da aparelhagem, aguardava os primeiros acordes da banda,
ansioso para explorar a terra brasileira. Ele teria três horas para isso,
enquanto durasse o show estaria livre para fazer o que quisesse. E quando a
última nota fosse tocada, seria sugado de volta ao celeiro feito poeira engolida
por aspirador.
A inquietação dos músicos, se dava por
conta da ânsia do mascote por se alimentar. Antes da viagem, foram
providenciadas vinte cabeças de gado, as quais ele saboreou sem desperdícios.
Ainda assim, da última vez em que tocaram no dia da liberdade de Eddie, na
Argentina, os restos mortais de uma pessoa foram encontrados próximos ao local
do show e desde então, eles evitavam se apresentar na data em questão.
Entretanto desta vez, não foi possível
cancelar. O novo empresário do grupo programara tudo sem saber das ressalvas da
banda e depois dos ingressos todos vendidos, desistir significava prejuízos
incalculáveis, aos quais eles não poderiam nem pensar em arcar, mesmo que isso
custasse a vida de alguém. Mas Eddie prometera comportar-se e todos contavam
muito com isso.
Pouco depois da hora marcada para o
início do show, os telões gigantes dispostos do lado esquerdo e direito do
palco começaram a exibir as imagens de um avião se desvencilhando de galhos
negros numa floresta e em seguida decolando num céu avermelhado. Fogos
artificiais explodiram no mesmo instante em que os primeiros acordes soaram.
Uma criatura enegrecida, esquálida e de olhos rubi materializou-se no palco e
de um pulo ganhou o céu noturno, desaparecendo sob o efeito fantástico de um
possível holograma.
***
Henrique e Verônica haviam perdido a
abertura do show. A bem da verdade, eles não tinham a intenção de ir, apesar de
terem conseguido roubar os ingressos de um cambista dias antes. Vestiram-se à
caráter para que pudessem despistar suas reais intenções, misturando-se
facilmente aos outros jovens próximos ao local do evento enquanto aguardavam
escondidos sob a penumbra de uma esquina a entrega do resgate por um familiar
da refém, com quem haviam combinado tudo.
Com o dinheiro a ser recebido,
pretendiam deixar o país e começar vida nova, longe da pobreza que os cercava
desde o seu nascimento e por fim poderiam estudar e trabalhar, abandonando a
vida de pequenos crimes e furtos.
A história sobre o roubo da joia valiosa
era mentira. Mera desculpa para poder torturar a moça, algo que a mente doentia
de Henrique sempre planejou fazer. Uma vez que Diana saía de uma loja de joias
ao ser capturada, a ideia havia surgido. Fora escolhida a dedo. Tinha cara de
mulher rica, trajava roupas caras, inclusive as botas que Verônica usava agora.
Ela estava prestes a entrar em seu carro de milionária quando eles a abordaram
com uma faca e a levaram dali.
Enquanto o atraso da pessoa responsável
pelo pagamento os deixava com o coração pulsando acelerado, no galpão a cabeça
de Diana latejava. Teria ficado inconsciente se não fosse o ruído ritmado que a
despertara. Ela lamentou por isso, queria estar morta, nunca havia se dado
conta de que morrer era tão difícil. A dor na mão era pungente, insuportável.
Então foi tomando consciência da situação aos poucos e não havia meios de
refrear o pânico subindo pelo corpo e engolindo cada célula com impulsiva
inclemência ao passo que a música barulhenta violentava ainda mais os seus
nervos.
A árvore do lado de fora, agora
iluminada pela lua pálida, parecia uma figura monstruosa retorcida, e talvez
por conta da febre, Diana delirava, achando ver grudada nela uma criatura
ossuda, de mesma tonalidade do tronco seco, com faces malignas e olhos
vermelhos.
À princípio, o suave movimento do
monstro imaginário era confundido com o soprar do vento abalando os galhos mais
finos da árvore, como se a morte fosse capaz de dançar. Depois foi adquirindo
uma forma definida, ao passo que se afastava do tronco e se posicionava na
ponta de um ramo, envergando-o com seu peso sem desviar os olhos rubi da refém.
O luar derramava seu brilho sobre a criatura, contornando-a com o halo típico
dos anjos. Enfim, a morte esquecera o seu capuz e a sua foice. Exibia-se
desnuda, torta e horrível. Diana estava prestes a encontrá-la, a receber o
beijo derradeiro de libertação ou de expiação eterna. Chorou quando o ser
abandonou o seu suporte de um pulo e adentrou o galpão pelo buraco do vidro da
janela.
De olhos arregalados, ela acompanhou a
criatura se aproximando. Eddie parou diante dela e a fitou com os rubis acesos.
Examinou-a friamente, cheirou-a, mas o beijo não veio por conta da mordaça.
Então ele ergueu-se e inalou o ar empesteado de morte, como se através do
olfato, pudesse conhecer a história por trás daquela cena.
Diana gemeu e a criatura voltou-se,
apavorando-a. Esperava ser aniquilada, mas em vez disso, o monstro foi se
afastando e deixou o galpão pela mesma fresta que entrara. Grudou na árvore e
girou a cabeça aspirando a noite, absorvendo sua história.
A refém fechou os olhos, pensando que
conhecera o terror, a perda e o caos. Talvez já estivesse morta, não podia ter
certeza. Contudo, as pálpebras se ergueram e não havia monstro algum, apenas a
árvore seca a sua frente, como sempre estivera. No limite entre o real e o imaginário,
ela atribuíra à morte nova face. E se não fora levada ainda, em que momento
seria? No fundo, tinha a consciência de estar exposta a um perigo mais
palpável. Ele era físico e vinha da maldade do rapaz e da moça. Ainda assim,
aqueles olhos sobrenaturais que achou ter visto carregavam um significado
urgente e medonho o qual ela não estava em condições de decifrar.
***
A SUV prata estacionou a um quarteirão
de distância dos jovens. Dela saltou um homem alto, trajado com roupas escuras
e formais. Henrique soube que ele era o responsável pelo pagamento quando,
antes de fechar a porta dianteira, um saco de lixo preto foi puxado. Cutucou
Verônica.
– Aí vem ele – avisou, empolgado.
– O que vocês combinaram? Nós não
trouxemos a mulher para a troca, então...
– Cala a boca! Primeiro a grana, sua
burrinha! Quando estivermos bem longe daqui, ele vai saber onde encontrá-la.
Verônica calou-se. Ela não estava
confiante de que tudo seria assim, tão fácil. Ser chamada de burrinha era o menor de seus problemas.
Talvez ela fosse mesmo uma, se permitindo ir tão longe numa enrascada dessas.
Olhava ao redor a espera de diversos carros de polícia e já se imaginava
algemada, pronta para apodrecer atrás das grades. Tremia como nunca ao passo
que o homem atravessava rua e depositava o saco na lixeira combinada.
A música da banda ecoava pelos
arredores, tinha agora uma parte suave e lenta; um instrumental com guitarra e
baixo, espalhando a sonoridade típica de um bom filme de terror. Quando a voz
grave e afinada acompanhou a melodia e a história começou a ser contada, o
ritmo acelerou, a bateria destacou-se frenética e passou a remeter à marcha de
soldados medievais se preparando para a derradeira batalha.
De repente, Verônica sentiu a coragem
apossar-se dela, como se a canção a motivasse fazer o que achava certo.
O homem entrou no carro e partiu,
conforme o acordo. Esperaria a ligação de Henrique revelando o local onde a
mulher estava.
O rapaz a puxou:
– Vamos verificar o conteúdo do saco –
ele disse, mas Verônica desvencilhou-se das mãos em seu braço e iniciou uma
corrida desabalada rua acima, no sentido oposto.
Ela
não queria mais fazer parte daquilo, talvez houvesse tempo para se salvar, para
denunciar o outro e libertar a refém. Não queria o dinheiro, não queria ter que
viver com a consciência pesada, não passaria o resto de seus dias na cadeia.
Subitamente acordava de um pesadelo. Como podia ter se deixado levar de tal
maneira? O que estavam fazendo era bem diferente de furtar relógios ou potes de
margarina no supermercado. Era bastante grave. E mesmo que desse certo, mesmo
que ninguém os prendesse e eles conseguissem realizar com sucesso o seu plano,
ela não queria mais passar a vida com Henrique. Ele a mataria cedo ou tarde por
conta de sua personalidade torpe. Esmagaria sua mão e engoliria a sua dignidade
como fizera com a moça no galpão. Então ela correu e correu sem destino certo,
só pensando em se afastar. Em fugir dele, sumir.
Ele, carregando o ódio no olhar e
dimanando feito tigre atrás da presa, mal podia acreditar. Estava tão perto do
dinheiro. Maldita, filha da puta!
Deixá-la fugir significava ser denunciado.
No momento em que a alcançava, emputecido por conta da atitude e
disposto a matá-la se fosse preciso, Eddie se aproximava, atraído pelo odor dos
dois; o cheiro da maldade peculiar dos demônios, o mesmo inalado momentos antes
no galpão e que o levara até ali. Observando-os escondido, teve certeza. O
rapaz carregava a essência soturna das entidades malignas. Identificou-se de
pronto; certa vez fora como ele, ávido por sangue, sofrimento e morte.
Entretanto, carregando o espírito justo do caçador no ser em que se
transformara após o encantamento da bruxa, era capaz de discernir o bem do mal,
embora o segundo ainda fosse mais latente em sua natureza.
Mais
cedo, quando o pânico da mulher amordaçada o levou até aquele lugar, ele
pretendia acabar com o seu sofrimento e o teria feito caso não houvesse sentido
o cheiro de uma aventura mais interessante. Estava bem diante dela agora. A sua
aventura alcançava a moça fujona. Ambos caíram e rolaram no chão.
– O que deu em você? – gritou o rapaz,
sendo esmurrado e repelido por Verônica.
Antes
que ela respondesse alguma coisa, ouviu um estalo, como o de ossos quebrando e
os braços fortes de Henrique se afrouxaram em volta de seu corpo. Sobre os
ombros do rapaz acima dela surgiu uma cabeça de osso e pele mumificada, olhos
vermelhos brilhantes e boca escancarada numa risada silenciosa. Não tendo
compaixão de seu arrependimento, Eddie afundou a mão ossuda em seu crânio, arrancando
os olhos bonitos e atônitos. Jogou-os na rua. Depois, agarrou os dois corpos e
sumiu para o mato, desmembrando-os, formando uma pequena montanha de braços,
pernas, pés, mãos, tripas e órgãos.
Com cuidado e precisão, foi depositando
os restos mortais de Henrique e Verônica pela mata, formando um caminho
sangrento até o galpão.
Arremessou a cabeça do algoz aos pés da
refém e sorriu a vê-la desmaiar.
O demônio deixou o local e seguiu para o
show. Pousou numa torre de iluminação e apreciou algumas músicas dos seus
garotos. Fãs apontaram para ele, como se fosse um efeito especial surpresa da
banda. Sorte deles não estar com fome hoje. Prometeu que não iria comer ninguém
e satisfeito com a sua honestidade, retornou ao seu celeiro de origem assim que
o último acorde foi tocado.
Antes que a madrugada se instalasse, a
polícia foi acionada por alguém. Não é comum chutar um olho, sem querer, no
meio da rua. Foi assim que descobriram sobre os crimes.
Num primeiro momento, não foi possível
saber quantas pessoas haviam sido desmembradas, mas logo supuseram ser duas.
Enquanto recolhiam os pedaços, percorrendo o caminho, discutiam a possibilidade
de um ataque animal, ainda que jamais houvessem visto algo parecido. Escondidos
pela mata, a casa abandonada e o galpão logo se fizeram notar. O barulho dos
carros e caminhões da rodovia próxima era o único som audível agora que a banda
havia encerrado a apresentação perto dali.
A refém foi encontrada com a cabeça de
Henrique aos seus pés. O dinheiro de sua família também foi recuperado. Era uma
data importante, a data em que Diana renascia.
Após diversos dias de internação
hospitalar e cirurgias, ela parecia estar melhor. Entretanto, ao ser perguntada
sobre o que aconteceu, Diana apenas se lembrava de uma música, a qual cantava
com olhos vazios e distantes:
“Let me tell you a story to chill the bones
About a thing that I saw
One night
wandering in the everglades
I'd one drink
but no more
I was rambling, enjoying the bright moonlight
Gazing up at the
stars
Not aware of a presence
so near to me
Watching my
every move
Feeling scared
and I fell to my knees
As something
rushed me from the trees
Took me to an
unholy place
And that is where I fell from grace...”
Iron Maiden – Dance of death
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