segunda-feira, 14 de março de 2022

A Dança da Morte

 

Com o corpo dolorido por conta das amarras e uma ligeira dificuldade para respirar devido à mordaça, lágrimas vertiam, embaçando a visão de Diana. A escuridão e miséria daquele lugar envenenava a sua alma como envenenados estavam os ratos duros e mal cheirosos espalhados pelo chão do galpão. Enquanto o suor escorria pela testa, ela desejava que a vida também se esvaísse, embora fosse inaceitável deixar o mundo de forma tão cruel. Perdera a noção do tempo, além de toda a sua dignidade em consequência dos percalços da vida.

Mantendo as esperanças tão esmigalhadas quanto os ossos de sua mão esquerda, quebrados com uma marreta no dia anterior pelo garoto de olhos malignos encostado ao batente da porta a observá-la, Diana era acometida, mais uma vez, pelo pânico devastador da tortura iminente. Começou a grunhir e a debater-se em desespero, utilizando o resto de suas forças já há muito exauridas, numa tentativa de chamar a atenção. Gostaria de ter a chance de falar, de se desculpar, de fazer o que fosse preciso para voltar para casa, ou quem sabe de implorar que ele a matasse de uma vez.

Ao escutar os passos de Verônica, Henrique torceu a cintura e olhou para trás, voltando à posição anterior de imediato sem cumprimentar a cúmplice. De braços cruzados, ele observava a refém com olhos impiedosos e sem sentir remorso algum.

Verônica conhecia a frieza do amigo e por não compartilhar dela, sofria. Momentos antes, enquanto vestia as calças jeans bem justas e botas boas para qualquer terreno, o coração pulsava de ansiedade e o corpo esbelto tremia de nervosismo. Ela era capaz de colocar-se no lugar da outra e embora soubesse estar metida na maior encrenca de sua vida, precisava manter o combinado, ou então, os seus demônios internos seriam fadas cor-de-rosa perto do que aconteceria a ela pelas mãos de Henrique. Ele era perigoso, sádico, psicopata, entretanto, ela não tinha mais ninguém e ficar ao lado dele parecia sua única opção.

Olhou-se num pedaço de espelho no banheiro e passou o batom sem pressa, último retoque da maquiagem carregada, típica dos jovens que gostam de rock. Puxou algumas mechas do cabelo vermelho para trás, atando-as com uma presilha de caveira roubada em uma feira livre. Fechou o zíper da jaqueta de couro apertada que um dia pertencera a uma jovem distraída e verificou as horas. Preocupada com o atraso de Henrique, olhou pela janela e o viu chegando, atravessando o quintal e indo direto para o galpão. Mil vezes ela pensou em libertar a moça e fugir para longe, mas o medo das consequências a impediu. Tudo o que ela fez durante a ausência dele foi evitar descer as escadas da casa abandonada onde morava há duas semanas. Pegou a bolsa e foi encontrá-lo.

– Podemos dar um pouco d’água a ela? – a voz empastada de Verônica o enjoou.

A resposta veio através de um olhar de esguelha, clara negativa à pergunta. O cheiro pútrido dos bichos mortos misturado aos excrementos da refém invadiu suas narinas, fazendo subir um gosto azedo pela garganta, obrigando-a a controlar-se para não botar para fora a refeição daquele dia.

Ambos ficaram ali parados em silêncio, limitando-se a assistirem a dança convulsa do resquício do ser humano atado à cadeira. Quando um cúmplice olhar foi trocado, eles fecharam a porta do galpão, deixando Diana tão sozinha quanto estão os mortos em um cemitério à noite.

Escutando os caminhões a enviarem seu ruído, Diana imaginou estar perto de alguma rodovia. Se pelo menos pudesse se soltar... Talvez se a mão não estivesse tão arrebentada causando fortes dores, conseguisse movê-la um pouco. Mas só de mexer os braços presos às costas, seu corpo todo era abordado pela mais intensa agonia já experimentada. Então ela aquietou-se. Era inocente. Não havia pegado a joia à qual a acusavam, mas eles deviam ter percebido. Ninguém estaria disposto a levar marretadas caso houvesse qualquer outra opção. Chegou a inventar uma história, a confessar o roubo na hora do desespero. Não foi uma ideia muito inteligente, pois após verificarem e descobrirem a sua mentira, ela teve o seu castigo por meio de mais golpes.

À mercê das torturas cruéis do casal durante três intermináveis dias, ela agora inalava o cheiro da morte, imaginava quanto tempo levaria para que ficasse dura feito aqueles ratos.

Assistiu a tarde se despedindo pela janela de vidros quebrados e sujos à frente, onde a paisagem mais reconfortante consistia numa árvore morta erguendo suas garras para o crepúsculo arroxeado.

 

***

 

Uma garrafa de cerveja atrás da outra era aberta pelo barman a cinco quarteirões dali. O local apinhado de jovens e adultos ansiosos pelo início do show da banda inglesa, com seu palco já montado e equipamentos devidamente testados, recebia o início da noite com o entusiasmo estampado em cada rosto.

Era dia treze de julho, data importante, e embora a banda estivesse feliz por celebrar o dia mundial do rock no Brasil, onde eram sempre bem recebidos e muito idolatrados, havia uma ponta de inquietação em cada integrante, mas ninguém além deles próprios saberia o por quê. Há muitos anos eles não se apresentavam neste dia. Faziam questão de resguardar a data por conta de um pacto selado nas entranhas de um celeiro no interior da Inglaterra, quando lá se reuniam para tocar sem plateia alguma, numa época em que não passavam de garotos anônimos, sem perspectivas de sucesso em razão de sua falta de talento. E isso faz mais de trinta anos, quando as lendas da região eram contadas pelos mais velhos em torno de fogueiras, aquecendo as tardes de inverno dos moradores locais e alimentando a imaginação dos mais jovens.

Eles diziam residir sobre o solo onde outrora um caçador de demônios aprisionou uma criatura que costumava matar os animais das fazendas; uma espécie de humanoide com o corpo esquálido e enegrecido, olhos vermelhos, dentes e garras afiados o bastante para rasgar o gado ao meio com apenas um golpe e se alimentar de dezenas deles numa noite, aproveitando toda a carne, de modo que os ossos e peles limpos ficavam espalhados pelo tapete verde de grama feito presentes prontos para o embrulho.

A primeira prisão à qual a criatura foi lacrada consistia numa espécie de jaula. Através de armadilhas dispostas nas redondezas, o tal caçador conseguiu capturá-la e por este motivo, as pessoas puderam vê-la. Assustadas demais com a sua aparência horrenda, acharam melhor matá-la de uma vez e a jaula foi então atirada ao rio. Embora todos pensassem que o monstro havia se afogado, ele acabou retornando dias depois e com muita ira, deixou os animais de lado e passou a aplacar a fome com a carne dos moradores.

Diante do caos instalado, deixaram suas crenças religiosas de lado e aceitaram a sugestão do caçador. Desta forma, uma velha bruxa do leste foi trazida para auxiliar na segunda captura. Ela assegurou que a criatura não poderia morrer e a única maneira de detê-la, seria aprisioná-la por meio de encantamentos. O que ninguém esperava, era que o monstro fosse tão poderoso a ponto de fundir seu corpo com o do caçador quando este se encontrava vulnerável. Ninguém sabe ao certo os motivos que o levaram a fazê-lo, mas de acordo com as explicações da bruxa, a criatura havia falhado na tentativa de se esconder no corpo físico do outro. Enquanto alguns testemunhavam a metamorfose daquele que deveria ser o salvador do povo, outros não pensaram duas vezes antes de atacá-lo com tiros e lanças, deixando o então metade homem, metade demônio imobilizado e aparentemente morto.

Um ritual foi feito antes que o enterrassem a muitos metros abaixo do solo, lacrando além do corpo disforme, os dois espíritos que nele habitavam. Infelizmente a alma do caçador não teria chances de escapar e ambos estariam fadados a compartilhar a eternidade nas profundezas daquela terra fria e úmida.

Muitos séculos depois, emergiu das entranhas da terra o demônio-caçador, desperto pela música dos jovens que tocavam no celeiro erguido bem acima de sua tumba.

A figura foi se aproximando aos poucos. A princípio era apenas uma voz prometendo a eles fama e sucesso. Depois da amizade consolidada, o demônio se mostrou e passou a ajudá-los com a realização de seus sonhos. Em troca, pedia animais grandes e suculentos para saciar a fome. Concordando e cumprindo com o acordo todos os dias, como num passe de mágica, o talento brotou entre os garotos. Encantados com a promessa de serem reconhecidos mundialmente, os jovens o adotaram como mascote da banda, estampando sua imagem nas capas dos discos. Não tardou para degustarem o estrelato esperado. Porém, o encantamento da bruxa impedia a criatura de deixar as redondezas. Exceto num único dia do ano; no dia em que fora aprisionada por ela tempos atrás; treze de julho, data importante para os moradores daquele povoado inglês.

Eddie, o nome dado ao bom-demônio com poderes de fada madrinha, estava com eles desta vez. Escondido no meio da aparelhagem, aguardava os primeiros acordes da banda, ansioso para explorar a terra brasileira. Ele teria três horas para isso, enquanto durasse o show estaria livre para fazer o que quisesse. E quando a última nota fosse tocada, seria sugado de volta ao celeiro feito poeira engolida por aspirador.

A inquietação dos músicos, se dava por conta da ânsia do mascote por se alimentar. Antes da viagem, foram providenciadas vinte cabeças de gado, as quais ele saboreou sem desperdícios. Ainda assim, da última vez em que tocaram no dia da liberdade de Eddie, na Argentina, os restos mortais de uma pessoa foram encontrados próximos ao local do show e desde então, eles evitavam se apresentar na data em questão.

Entretanto desta vez, não foi possível cancelar. O novo empresário do grupo programara tudo sem saber das ressalvas da banda e depois dos ingressos todos vendidos, desistir significava prejuízos incalculáveis, aos quais eles não poderiam nem pensar em arcar, mesmo que isso custasse a vida de alguém. Mas Eddie prometera comportar-se e todos contavam muito com isso.

Pouco depois da hora marcada para o início do show, os telões gigantes dispostos do lado esquerdo e direito do palco começaram a exibir as imagens de um avião se desvencilhando de galhos negros numa floresta e em seguida decolando num céu avermelhado. Fogos artificiais explodiram no mesmo instante em que os primeiros acordes soaram. Uma criatura enegrecida, esquálida e de olhos rubi materializou-se no palco e de um pulo ganhou o céu noturno, desaparecendo sob o efeito fantástico de um possível holograma.

 

***

 

Henrique e Verônica haviam perdido a abertura do show. A bem da verdade, eles não tinham a intenção de ir, apesar de terem conseguido roubar os ingressos de um cambista dias antes. Vestiram-se à caráter para que pudessem despistar suas reais intenções, misturando-se facilmente aos outros jovens próximos ao local do evento enquanto aguardavam escondidos sob a penumbra de uma esquina a entrega do resgate por um familiar da refém, com quem haviam combinado tudo.

Com o dinheiro a ser recebido, pretendiam deixar o país e começar vida nova, longe da pobreza que os cercava desde o seu nascimento e por fim poderiam estudar e trabalhar, abandonando a vida de pequenos crimes e furtos.

A história sobre o roubo da joia valiosa era mentira. Mera desculpa para poder torturar a moça, algo que a mente doentia de Henrique sempre planejou fazer. Uma vez que Diana saía de uma loja de joias ao ser capturada, a ideia havia surgido. Fora escolhida a dedo. Tinha cara de mulher rica, trajava roupas caras, inclusive as botas que Verônica usava agora. Ela estava prestes a entrar em seu carro de milionária quando eles a abordaram com uma faca e a levaram dali.

Enquanto o atraso da pessoa responsável pelo pagamento os deixava com o coração pulsando acelerado, no galpão a cabeça de Diana latejava. Teria ficado inconsciente se não fosse o ruído ritmado que a despertara. Ela lamentou por isso, queria estar morta, nunca havia se dado conta de que morrer era tão difícil. A dor na mão era pungente, insuportável. Então foi tomando consciência da situação aos poucos e não havia meios de refrear o pânico subindo pelo corpo e engolindo cada célula com impulsiva inclemência ao passo que a música barulhenta violentava ainda mais os seus nervos.

A árvore do lado de fora, agora iluminada pela lua pálida, parecia uma figura monstruosa retorcida, e talvez por conta da febre, Diana delirava, achando ver grudada nela uma criatura ossuda, de mesma tonalidade do tronco seco, com faces malignas e olhos vermelhos.

À princípio, o suave movimento do monstro imaginário era confundido com o soprar do vento abalando os galhos mais finos da árvore, como se a morte fosse capaz de dançar. Depois foi adquirindo uma forma definida, ao passo que se afastava do tronco e se posicionava na ponta de um ramo, envergando-o com seu peso sem desviar os olhos rubi da refém. O luar derramava seu brilho sobre a criatura, contornando-a com o halo típico dos anjos. Enfim, a morte esquecera o seu capuz e a sua foice. Exibia-se desnuda, torta e horrível. Diana estava prestes a encontrá-la, a receber o beijo derradeiro de libertação ou de expiação eterna. Chorou quando o ser abandonou o seu suporte de um pulo e adentrou o galpão pelo buraco do vidro da janela.

De olhos arregalados, ela acompanhou a criatura se aproximando. Eddie parou diante dela e a fitou com os rubis acesos. Examinou-a friamente, cheirou-a, mas o beijo não veio por conta da mordaça. Então ele ergueu-se e inalou o ar empesteado de morte, como se através do olfato, pudesse conhecer a história por trás daquela cena.

Diana gemeu e a criatura voltou-se, apavorando-a. Esperava ser aniquilada, mas em vez disso, o monstro foi se afastando e deixou o galpão pela mesma fresta que entrara. Grudou na árvore e girou a cabeça aspirando a noite, absorvendo sua história.

A refém fechou os olhos, pensando que conhecera o terror, a perda e o caos. Talvez já estivesse morta, não podia ter certeza. Contudo, as pálpebras se ergueram e não havia monstro algum, apenas a árvore seca a sua frente, como sempre estivera. No limite entre o real e o imaginário, ela atribuíra à morte nova face. E se não fora levada ainda, em que momento seria? No fundo, tinha a consciência de estar exposta a um perigo mais palpável. Ele era físico e vinha da maldade do rapaz e da moça. Ainda assim, aqueles olhos sobrenaturais que achou ter visto carregavam um significado urgente e medonho o qual ela não estava em condições de decifrar.

 

***

 

 

A SUV prata estacionou a um quarteirão de distância dos jovens. Dela saltou um homem alto, trajado com roupas escuras e formais. Henrique soube que ele era o responsável pelo pagamento quando, antes de fechar a porta dianteira, um saco de lixo preto foi puxado. Cutucou Verônica.

– Aí vem ele – avisou, empolgado.

– O que vocês combinaram? Nós não trouxemos a mulher para a troca, então...

– Cala a boca! Primeiro a grana, sua burrinha! Quando estivermos bem longe daqui, ele vai saber onde encontrá-la.

Verônica calou-se. Ela não estava confiante de que tudo seria assim, tão fácil. Ser chamada de burrinha era o menor de seus problemas. Talvez ela fosse mesmo uma, se permitindo ir tão longe numa enrascada dessas. Olhava ao redor a espera de diversos carros de polícia e já se imaginava algemada, pronta para apodrecer atrás das grades. Tremia como nunca ao passo que o homem atravessava rua e depositava o saco na lixeira combinada.

A música da banda ecoava pelos arredores, tinha agora uma parte suave e lenta; um instrumental com guitarra e baixo, espalhando a sonoridade típica de um bom filme de terror. Quando a voz grave e afinada acompanhou a melodia e a história começou a ser contada, o ritmo acelerou, a bateria destacou-se frenética e passou a remeter à marcha de soldados medievais se preparando para a derradeira batalha.

De repente, Verônica sentiu a coragem apossar-se dela, como se a canção a motivasse fazer o que achava certo.

O homem entrou no carro e partiu, conforme o acordo. Esperaria a ligação de Henrique revelando o local onde a mulher estava.

O rapaz a puxou:

– Vamos verificar o conteúdo do saco – ele disse, mas Verônica desvencilhou-se das mãos em seu braço e iniciou uma corrida desabalada rua acima, no sentido oposto.

Ela não queria mais fazer parte daquilo, talvez houvesse tempo para se salvar, para denunciar o outro e libertar a refém. Não queria o dinheiro, não queria ter que viver com a consciência pesada, não passaria o resto de seus dias na cadeia. Subitamente acordava de um pesadelo. Como podia ter se deixado levar de tal maneira? O que estavam fazendo era bem diferente de furtar relógios ou potes de margarina no supermercado. Era bastante grave. E mesmo que desse certo, mesmo que ninguém os prendesse e eles conseguissem realizar com sucesso o seu plano, ela não queria mais passar a vida com Henrique. Ele a mataria cedo ou tarde por conta de sua personalidade torpe. Esmagaria sua mão e engoliria a sua dignidade como fizera com a moça no galpão. Então ela correu e correu sem destino certo, só pensando em se afastar. Em fugir dele, sumir.

Ele, carregando o ódio no olhar e dimanando feito tigre atrás da presa, mal podia acreditar. Estava tão perto do dinheiro. Maldita, filha da puta! Deixá-la fugir significava ser denunciado.

No momento em que a alcançava, emputecido por conta da atitude e disposto a matá-la se fosse preciso, Eddie se aproximava, atraído pelo odor dos dois; o cheiro da maldade peculiar dos demônios, o mesmo inalado momentos antes no galpão e que o levara até ali. Observando-os escondido, teve certeza. O rapaz carregava a essência soturna das entidades malignas. Identificou-se de pronto; certa vez fora como ele, ávido por sangue, sofrimento e morte. Entretanto, carregando o espírito justo do caçador no ser em que se transformara após o encantamento da bruxa, era capaz de discernir o bem do mal, embora o segundo ainda fosse mais latente em sua natureza.

Mais cedo, quando o pânico da mulher amordaçada o levou até aquele lugar, ele pretendia acabar com o seu sofrimento e o teria feito caso não houvesse sentido o cheiro de uma aventura mais interessante. Estava bem diante dela agora. A sua aventura alcançava a moça fujona. Ambos caíram e rolaram no chão.

– O que deu em você? – gritou o rapaz, sendo esmurrado e repelido por Verônica.

Antes que ela respondesse alguma coisa, ouviu um estalo, como o de ossos quebrando e os braços fortes de Henrique se afrouxaram em volta de seu corpo. Sobre os ombros do rapaz acima dela surgiu uma cabeça de osso e pele mumificada, olhos vermelhos brilhantes e boca escancarada numa risada silenciosa. Não tendo compaixão de seu arrependimento, Eddie afundou a mão ossuda em seu crânio, arrancando os olhos bonitos e atônitos. Jogou-os na rua. Depois, agarrou os dois corpos e sumiu para o mato, desmembrando-os, formando uma pequena montanha de braços, pernas, pés, mãos, tripas e órgãos.

Com cuidado e precisão, foi depositando os restos mortais de Henrique e Verônica pela mata, formando um caminho sangrento até o galpão.

Arremessou a cabeça do algoz aos pés da refém e sorriu a vê-la desmaiar.

O demônio deixou o local e seguiu para o show. Pousou numa torre de iluminação e apreciou algumas músicas dos seus garotos. Fãs apontaram para ele, como se fosse um efeito especial surpresa da banda. Sorte deles não estar com fome hoje. Prometeu que não iria comer ninguém e satisfeito com a sua honestidade, retornou ao seu celeiro de origem assim que o último acorde foi tocado.

Antes que a madrugada se instalasse, a polícia foi acionada por alguém. Não é comum chutar um olho, sem querer, no meio da rua. Foi assim que descobriram sobre os crimes.

Num primeiro momento, não foi possível saber quantas pessoas haviam sido desmembradas, mas logo supuseram ser duas. Enquanto recolhiam os pedaços, percorrendo o caminho, discutiam a possibilidade de um ataque animal, ainda que jamais houvessem visto algo parecido. Escondidos pela mata, a casa abandonada e o galpão logo se fizeram notar. O barulho dos carros e caminhões da rodovia próxima era o único som audível agora que a banda havia encerrado a apresentação perto dali.

A refém foi encontrada com a cabeça de Henrique aos seus pés. O dinheiro de sua família também foi recuperado. Era uma data importante, a data em que Diana renascia.

Após diversos dias de internação hospitalar e cirurgias, ela parecia estar melhor. Entretanto, ao ser perguntada sobre o que aconteceu, Diana apenas se lembrava de uma música, a qual cantava com olhos vazios e distantes:

 

“Let me tell you a story to chill the bones

About a thing that I saw

One night wandering in the everglades

I'd one drink but no more

 

I was rambling, enjoying the bright moonlight

Gazing up at the stars

Not aware of a presence so near to me

Watching my every move

 

Feeling scared and I fell to my knees

As something rushed me from the trees

Took me to an unholy place

And that is where I fell from grace...”

Iron Maiden – Dance of death

 


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